Nos últimos anos descobri uma categoria de pessoas muito especiais. Numa primeira fase designei-os por Tarados. Posteriormente adicionei Insuficientes e Cardíacos.
Tarados?
As pessoas mais criativas e disruptivas que tenho conhecido, são, à sua maneira, taradas – pelo assunto ou tema onde se desenvolveram enquanto pessoas criativas. Valerá a pena ver esta entrada sobre o significado popular de Tarado mas fiquei mais agradado com a divindade budista Tara.
Tara (em sânscrito Tārā, provavelmente “estrela”, e, para os tibetanos, Drol Ma ou Jetsün Dólmã, “Salvadora”), é uma deidade feminina do budismo Vajrayana (“Caminho Diamantino”, que simboliza a sabedoria que discerne agudamente como um raio)
Des-repetitivos
Estudam, aprofundam, experimentam, saem das zonas de conforto, nunca se repetem, procuram um caminho novo… e acima de tudo nunca estão satisfeitas. Procuram sempre mais, a repetição aborrece-as, quer a sua própria, quer a mimetização do trabalho de outros.
Por isso acrescentei o Insuficientes. E cardíacos. Pela simples razão de que aqueles corações devem bater a mil.
Transformar é criar?
Ao contrário do que normalmente pensamos, a criatividade não está apenas presente no Criador, aquele que dá origem a uma coisa completamente nova, mas também no Executante, aquele que pegando na obra de outros faz uma nova leitura, transformando essa obra na sua leitura da obra e necessariamente originando uma nova obra. É obra.
Assumo agora como acto criativo o processo de transformação, a minha leitura e desenvolvimento sobre a obra de outro, o juntar de peças dispersas noutra coisa que antes não existia.
Criar é transformar é criar é transformar é criar…
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Mas na base de toda esta atitude criativa estão um conjunto de atitudes e modos e formas de estar e de ser, essenciais ao ser criativo. São pessoas com níveis de motivação interna muito elevados, capazes de definir objectivos para a sua actuação, observadoras da realidade circundante e do seu processo evolutivo, flexíveis para experimentarem outras abordagens, o que também quer dizer que não tem medo de falhar nem de correr riscos (factor inerente a quem gosta de sair da zona de conforto) e por último, altamente perseverantes.
Dificilmente conheceremos alguém criativo que não cumpra estes requisitos morais (fica sempre bem misturar no mesmo texto Tarados e Requisitos Morais).
Motivation overload
A par disto, percebemos que há um grande ideal motivador por detrás das pessoas criativas: acrescentar algo à narrativa da história. Por isso procuram trilhar outros caminhos para que a sua obra seja mais um degrau em vez dum patamar.
Encontrámos um actor que procura outras formas de dar corpo à personagem e aos textos que lhe são dados, porque só assim é possível ver a mesma peça de maneira diferente. Já todos vimos o Romeu & Julieta, mas com aqueles actores em particular queremos ver algo de diferente. E mesmo um actor Tarado, quererá fazer o Romeu de forma diferente duma outra que já tenha feito. Porque quer deixar a sua marca.
É o caso dos músicos, que fazendo a sua vida com obras dum passado muito distante conseguem ter a capacidade de as recriarem e transformarem, “fugindo” das pautas e das possíveis indicações do compositor.
Obras vivas
O que mais me “perturbou” nestes dois executantes foi o constante trabalho sobre obras do passado. Um actor e um músico trabalham na maior parte do tempo sobre obras antigas. Ao contrário, um pintor e um fotógrafo passam por elas e eventualmente aprendem a técnica subjacente, mas dificilmente ganharão a vida a repeti-las eternamente (excepto os falsários, pois claro).
A diferença é que há obras que só são visíveis quando executadas, e por isso é importante o executante, para as replicar e nos dar o conhecimento dela. Só assim poderemos fazer evoluir a obra e originar outras.
Em Fahrenheit 451 tínhamos os homens-livro, mas estes parecem recusar o castigo de carregarem sempre a mesma obra nos ombros.
A criatividade a quem a trabalha
Estivemos perante pessoas talentosas? Todas recusaram esse apelido. O talento é trabalho e conhecimento das técnicas associadas a cada área de trabalho. Muito trabalho. E muita paixão. Não há iluminações divinas. Como as ideias não nascem de geração espontânea, o criativo não existe se não praticar a sua actividade criadora.
Praticar, praticar, praticar, fazer, fazer, fazer… depois logo se justifica: disse-nos Kim Prisu.
No espírito desta prática aprendemos a desenhar e descobrimos que dentro de nós moram um conjunto de animais-mealheiro. Go figure! Nunca tinha pensado neles, nunca os tinha visto… mas passaram a existir quando os desenhei, quando se tornaram concretos e a partir desse momento pude aprender algo mais sobre eles.
Dito isto… vou praticar! Venho já!