“O corpo dizia que estava na altura de se virar. Não que me apetecesse. A dor era de alguma forma apetecível. Sentir aquele formigueiro que tolhia o lado direito era uma forma obscena de hipocrisia.

O corpo dizia que tinha saudades tuas. O corpo dizia que o enlouqueces. Eu ignorava-o. Tinha que me virar.

O corpo dizia que estava farto daquele postalinho de vida pendurado na parede imensa. Tens a certeza? perguntava-lhe eu.

O corpo… o corpo é uma farsa. Tão maior que a exposição que me levou a ver ontem. Pop Pop Super-Pop Colores. Gente e mais gente. O que tenho de suportar só para estar perto. Farsas festivas. “É uma farsa!” sussurrei-lhe. “És um caustico”. Sou um caustico.

O corpo dizia que estava na hora de sair, agora que já se tinha virado. Devagar, devagar para não ranger. Não lhe saia da cabeça o circulo branco sobre quadrado negro  pós-moderno absurdo delinquente urbano heroin chic.

O corpo dizia que… já lá vou, respondi-lhe e saí.”